Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia
“A iniciativa privada é essencial para a expansão do setor elétrico brasileiro"
Em maio de 2015, Luiz Eduardo Barata
assumiu como secretário executivo do MME (Ministério de Minas e Energia). Com
larga experiência no setor elétrico, Barata iniciou sua trajetória profissional
em Furnas, depois passou por Itaipu, Eletrobras e MAE (Mercado Atacadista de
Energia Elétrica). Fez parte dos profissionais que assessoraram o MME na criação
do novo modelo do setor elétrico, implantado em 2004.
Depois foi diretor de Operação do ONS
(Operador Nacional do Sistema Elétrico) e presidente da CCEE (Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica), o que o aproximou ainda mais dos agentes
do mercado. Entre suas atribuições como secretário-executivo estão coordenar as
atividades das secretarias vinculadas ao Ministério, como Energia Elétrica,
Petróleo, Combustíveis, Gás Natural, Mineração e Planejamento e Desenvolvimento
Energético. Com agenda intensa por causa dos muitos compromissos, Barata
concedeu, por email, a entrevista abaixo para a jornalista Duda Hamilton, da
Revista Empresarial Boas Novas.
O
modelo do setor elétrico completou 10 anos em 2014. É consenso que ele foi
exitoso, tendo propiciado a contratação da energia necessária para atender o
crescimento da demanda no País. Por outro lado, sabe-se que necessita de
ajustes. Como isso deve ocorrer? Que aperfeiçoamentos o atual modelo requer?
Secretário Executivo do Ministério de Minas
e Energia, Luiz Eduardo Barata – Sim, o modelo do setor elétrico é exitoso,
pois consolidou o planejamento energético setorial e assegurou o atendimento da
demanda de forma segura, com mecanismos confiáveis para contratação de energia
e com redução dos riscos para os investimentos. Porém, como tudo que é
dinâmico, requer aprimoramentos.
É consenso que os ajustes necessários
devem ocorrer em diálogo franco com os agentes e a sociedade. O sistema
brasileiro iniciou transição a partir de um sistema hidrelétrico em direção a
um sistema mais diversificado, incorporando não somente a termoeletricidade,
mas também fontes renováveis de energia, como a eólica e, mais recentemente, a
solar. São novas particularidades, não só pela intermitência de tais fontes,
mas também pelo perfil de geração a que se permite.
Expansão da fonte solar no Brasil. Tubarão (SC), no Sul de Santa Catarina, abriga a Usina Cidade Azul, com capacidade instalada de 3 MWp e três placas com tecnologias distintas, foto Duda Hamilton |
A geração distribuída e autoprodução
terão importância crescente no sistema e, tanto o modelo quanto o planejamento,
irão se adequar ao novo cenário. Uma das reflexões que precisamos fazer é se os
sistemas de contratação da energia, hoje baseados em contratos de
disponibilidade e de energia, devem ser alterados para as hidrelétricas. A
progressiva redução da capacidade de armazenamento dos reservatórios, com suas
consequências no sistema interligado, exigirá mudanças no despacho feito. pelo ONS. Portanto, surge
espaço para que se reavalie a necessidade de redimensionar a geração
firme, no âmbito do planejamento. Também encontram-se em fase
de avaliação questões como a melhor coordenação entre a geração
e a transmissão, assim como a aplicação de novos métodos de
licenciamento, menos onerosos, mais céleres e efetivos.
Atualmente discute-se também a necessidade da
“desjudicialização” setorial. O aumento da judicialização de casos que deveriam
ser tratados, unicamente, na esfera regulatória deve ser analisado com cuidado
e servir de alerta para o estabelecimento de novas diretrizes que continuem
garantindo a segurança regulatória e o adequado e equilibrado funcionamento do
setor.
Outras questões, como o aprimoramento metodológico para o
cálculo da
garantia física de potência ou novas regras para se tratar a questão do GSF,
por exemplo, também tornaram-se prementes para que possamos sempre caminhar em
direção aos princípios básicos do modelo: segurança no abastecimento, modicidade
tarifária e universalização do atendimento.
Mesmo com um crescimento mais reduzido do
PIB, o Brasil precisa expandir sua matriz para obter a necessária segurança de suprimento.
Qual o papel da iniciativa privada neste processo?
L.E.B. – A
participação da iniciativa privada na expansão do sistema elétrico é
absolutamente essencial para o atendimento da demanda. As dimensões atuais dos
investimentos são diferentes dos verificados nas décadas passadas, quando as
empresas estatais assumiram a liderança do processo. De 1970 a 2014, o Brasil
passou de 11 GW de capacidade a 133,9 GW, com taxa de crescimento de 5,8% ao
ano, maior do que a taxa do PIB, de 3,8% ao ano. Em 1970, o capital de Governo
poderia atender os investimentos necessários e administrá-los com propriedade,
mas hoje isso é impossível e desnecessário, pois o Brasil dispõe de um setor
privado capacitado para investir, técnica e financeiramente. É necessária a
entrada de pelo menos 7.000 MW por ano, a depender do crescimento econômico.
Além do mais, devemos lembrar que
o consumo “per capita” do Brasil
ainda é tímido se comparado ao cenário mundial. Outra
questão é o aumento dos custos de transação. A geração eólica no Brasil se
tornou um grande sucesso atualmente. Mas a administração do investimento,
embora menos intensivo em capital, demanda um volume alto de recursos,
tecnologia, profissionais e cargas de projeto pelo Brasil. O mesmo se dá com os
empreendimentos de transmissão ou com outros empreendimentos no âmbito da
geração distribuída ou não. O País tornou-se muito grande e cabe ao Estado
reconhecer que sua atividade
direta agora deve ocorrer de forma complementar.
Por outro lado, cabe ao Estado
fortalecer cada vez mais os instrumentos
de planejamento e de regulação e garantir o ambiente de atração
do
investimento privado, interno e externo.
B.N. – O Brasil atravessa atualmente uma crise econômica com
projeção de recessão ainda em 2016. Quais os impactos de curto e longo prazo
desta crise no setor elétrico?
Luiz Eduardo Barata: Crise não pode interferir no planejamento de longo prazo do setor. foto Francisco Stuckert/MME. |
L.E.B. – A crise
econômica trouxe uma pequena redução no consumo de energia elétrica, mas não
podemos deixar que esse movimento pontual interfira no planejamento de longo
prazo. Continuamos ampliando a capacidade de geração, pois em breve apontará no
horizonte a retomada da atividade e ela exigirá muita energia. Temos uma
capacidade instalada de 138 mil MW na geração e de 126 mil km de rede básica da
transmissão e uma demanda máxima de aproximadamente 85.700 MW.
Nossa meta de expansão da
geração, ainda em 2015, é de 6.410 MW, dos quais já cumprimos mais de 3.600 MW.
Na transmissão, o cenário não é muito diferente, são previstos 7.120 km de novas linhas, ainda
este ano. A meta é robustecer ainda mais o sistema e trabalhar na redução de
custos, em busca da competitividade internacional até 2018.
B.N. – As regras de financiamento, a crise
financeira e o rebaixamento do grau de investimento impõem dificuldades no financiamento
dos projetos de expansão. Quais os caminhos viáveis para financiar os novos
projetos?
L.E.B. – Sim, a baixa liquidez do mercado
tradicional para financiar os investimentos é outra consequência de curto prazo
sobre o setor elétrico. Mas, o setor é sólido e com perspectivas de longo
prazo, e essas características abrem espaço para fórmulas alternativas de
financiamento, como a emissão de debêntures incentivadas, por exemplo. Além
disso, há iniciativas dos autoprodutores junto ao Congresso Nacional para
permitir o financiamento de projetos de autoprodução com a participação, nos empreendimentos
hidrelétricos, de sócios capitalistas interessados nos dividendos das SPEs,
deixando ao autoprodutor os benefícios da energia produzida para consumo
próprio.
Do lado do Governo, constituímos recentemente dois novos
fundos, o FEN
(Fundo
de Energia do Nordeste) e o FESC (Fundo de Energia do Sudeste e Centro Oeste)
objetos da MP 677 e do PLV 16/2015, que aguardam a sanção da presidente Dilma
Rousseff. Também tornamos mais flexíveis, no caso dos leilões das hidrelétricas
amortizadas, a participação de empresas estrangeiras. E continuamos estudando
mecanismos adicionais que facilitem o investimento.
O setor é sólido e com perspectivas de longo prazo. foto Duda Hamilton |
B.N. – As crescentes
limitações ambientais impõem barreiras à ampliação de hidrelétricas com
reservatórios e também de usinas termelétricas. Isso faz com que o fornecimento
de energia fique mais dependente e vulnerável às variações climáticas, com impacto
na segurança do suprimento e volatilidade dos preços.
Como pode ser
equacionado este problema?
L.E.B. – Essas
questões estão sendo enfrentadas pelo planejamento setorial, que prevê
ampliação progressiva das energias renováveis, especialmente eólica, de
biomassa e solar. Essas três fontes, inclusive, assumiram posição de destaque
no compromisso assumido pelo Brasil junto à ONU (Organização das Nações Unidas)
de reduzir a emissão de gases de efeito estufa até 2030.
Ao mesmo tempo,
estamos trabalhando no aperfeiçoamento da legislação, de modo a superar
rapidamente os gargalos de licenciamento e liberar os projetos hidrelétricos
ambientalmente viáveis que possuímos. Em paralelo, estamos aprofundando estudos
com modelos climáticos regionais, adotando uma abordagem sistêmica que
compreenda as diversas fontes de geração de energia elétrica que atuam na
transmissão, sob um procedimento de despacho centralizado. Essa visão sistêmica
do setor tira o foco do impacto específico em uma usina e proporcionará uma
visão mais realista das condições climáticas e de suas repercussões
energéticas.