Aquela velha lei do jogador tricampeão Gerson, de
tirar vantagem em tudo, está com seus dias contados, depois que entrou em
vigor, em 29 de janeiro, a Lei Anticorrupção, conhecida como Lei da Empresa
Limpa. Quem defende o fim do “jeitinho brasileiro” é o advogado Leonardo Ruiz
Machado, especialista no assunto. Para ele, daqui para frente vai ser valioso
ser honesto, fazer parte de uma empresa ética e querer extirpar o câncer da
corrupção do Brasil.
Antes da Lei Anticorrupção entrar em vigor, não havia
no Brasil previsão de responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção
e, por essa razão, muitas empresas não se atentavam a tais práticas.
Para saber como a lei será aplicada e quais as mudanças
que ela vai provocar, a revista BOAS NOVAS, por meio da jornalista Duda
Hamilton, conversou com Leonardo Machado, logo após palestra dele aos diretores
e gerentes da Tractebel Energia em evento realizado no dia 24 de março na sede
da Companhia, em Florianópolis.
Boas Novas – Quais as principais
mudanças que esta Lei Anticorrupção vai trazer para o Brasil?
Leonardo Ruiz Machado – A Lei 12.846/2013, que está sendo
chamada de Lei Anticorrupção, é também conhecida como Lei da Empresa Limpa e
tem como principal objetivo mudar o comportamento das empresas brasileiras em
relação ao combate à corrupção e à lisura no trato com a administração pública.
Com foco na responsabilidade da pessoa jurídica, a lei
traz novos conceitos jurídicos e sanções severas para os casos de violação. E
para minimizar os riscos destas penalidades as empresas precisarão prestar mais
atenção na forma de se relacionar com a administração pública, nacional e
estrangeira.
A empresa que realmente quiser se adequar à nova lei
deverá ter um olhar mais cuidadoso para o seu negócio, especialmente com relação
ao terceiro contratado para intermediar seus interesses perante o poder público,
garantindo que seus controles internos alcancem não apenas seus funcionários,
mas também seus prestadores de serviço e parceiros de negócio.
BN – Estamos preparados para a
Lei Anticorrupção?
L.R.M – Segundo pesquisa recentemente publicada pela
empresa de consultoria em gestão de riscos corporativos ICTS, realizada com 60
corporações com faturamento anual acima de R$ 1 bilhão, 42% das consultadas se
dizem razoavelmente preparadas para a nova lei. As empresas que não se
consideram nada preparadas representaram 12%, as que se consideram muito
preparadas representaram 28% e as que se consideram totalmente preparadas
totalizaram apenas 18%. Antes de a Lei Anticorrupção entrar em vigor, não havia
no Brasil previsão de responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção
e, por essa razão, muitas empresas não se atentavam a tais práticas.
Empresas que já estão sujeitas à lei norte-americana
anticorrupção, conhecida como US Foreign
Corrupt Pratices Act ou FCPA, em geral, deveriam estar mais preparadas para
lidar com a nova lei. Devemos lembrar que a Lei 12.846/2013 não trata apenas de
corrupção, na medida em que dispõe sobre a responsabilidade objetiva da pessoa
jurídica, na esfera civil e administrativa, por atos praticados contra a
administração pública nacional ou estrangeira, ou seja, o ato de fraudar licitações
e contratos com entes governamentais, por exemplo, mesmo que não haja o
pagamento de suborno para autoridades públicas, também poderá ser sancionado
pela Lei 12.846/2013.
"Não há corrupção sem que haja a figura do corruptor. E este será o novo foco do combate".
BN – Quem vai aplicar a Lei
Anticorrupção?
L.R.M – No âmbito civil caberá ao Ministério Público a
propositura da competente Ação Civil Pública perante o Poder Judiciário para
que eventuais sanções com base na nova lei sejam aplicadas. Já no âmbito
administrativo a definição da autoridade competente é, sem dúvida, o aspecto
que traz mais insegurança. Nos casos em que empresas brasileiras praticarem
atos lesivos contra a administração pública estrangeira, a autoridade
competente será a Controladoria Geral da União (CGU).
No entanto, nos casos ocorridos no Brasil, não existe
definição de uma única autoridade que seja competente para aplicar a lei em
todas as situações. Como regra geral, a lei estabelece que sua aplicação caberá
à autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública lesada, ou seja, a competência
será definida caso a caso. A não especificação de um único órgão para a sua
aplicação no âmbito administrativo, tal como é o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica no que tange à lei concorrencial, gera insegurança não só jurídica,
mas também política, uma vez que a lei poderá ser utilizada como mecanismo de
pressão e manobra perante a opinião pública.
Advogado Leonardo Ruiz Machado |
BN – Uma vez que os atos ilícitos
já são crimes previstos no arcabouço legal brasileiro, qual a grande novidade
da Lei Anticorrupção?
L.R.M – As leis anteriores previam como crimes de
corrupção os atos praticados somente por pessoas físicas. A Lei Anticorrupção, por
sua vez, inova trazendo a responsabilidade objetiva da empresa por atos
praticados contra a administração pública, dentre eles o ato de prometer,
oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público,
ou a terceira pessoa a ele relacionada.
É bem verdade que já existia lei específica em relação
a outras condutas definidas como ilícitas pela Lei Anticorrupção, como a fraude
a licitações, por exemplo. Contudo, a inovação em relação à necessidade de
provar apenas o benefício obtido pela empresa, que é decorrente da chamada
responsabilidade objetiva, traz à nova lei roupagem bem mais contundente do que
aquelas já existentes.
Importante enfatizar que esta chamada responsabilidade
objetiva não necessita de prova nem da intenção de corromper e nem mesmo de que
o ato tenha sido praticado pelos funcionários da empresa. Basta apenas a prova
do benefício econômico recebido indevidamente, isto é, a empresa poderá ser
responsabilizada, inclusive, nos casos em que um terceiro que atua em seu nome
perante o poder público cometa um ato lesivo, assim definido pela lei, mesmo
sem que a empresa tenha participado para que isso ocorresse ou, pior, tivesse
conhecimento do ocorrido.
BN – Qual a sua percepção? A Lei
Anticorrupção centra-se na aplicação do poder inibitório de aplicação de penas
pesadas ou de demonstrar que vale a pena implantar um programa de compliance
para prevenir a prática de atos contra a administração pública?
L.R.M – A lei foi criada com o principal objetivo de
combater a corrupção e trouxe estes dois pontos como aspectos complementares.
Se por um lado as multas previstas são pesadas, podendo chegar a até 20% do
faturamento bruto da empresa livre de impostos, estas multas podem ser diminuídas
se as empresas demonstrarem que implementaram, de boa-fé e efetividade,
programas de compliance antes da prática do ato lesivo.
Pela experiência verificada em outros países, leis com a mesma envergadura têm como alvo grandes empresas envolvidas em grandes escândalos e, ao que parece, o mesmo deve acontecer por aqui. |
A Lei 12.846/2013 veio para mudar a forma de fazer negócios
que, infelizmente, em alguns casos ainda é influenciada pelo “jeitinho
brasileiro” e por práticas que, embora não muito louváveis, ainda são aceitas
por uma parcela da nossa sociedade. Mas as coisas estão mudando. E mudança de
cultura não se faz da noite para o dia. É um processo de adaptação a uma nova
realidade que depende de todos os atores envolvidos, em especial, as empresas
socialmente engajadas e dispostas a combater este mal no seu cotidiano dos seus
negócios.
De acordo com a CGU, não há corrupção sem que haja a figura
do corruptor. E este será o novo foco do combate.
BN – Em sua opinião qual o maior
problema da Lei Anticorrupção? Alguns criticam que ela não atinge o agente
estatal. Outros acreditam que penaliza só um lado, a empresa. O que o senhor
tem a dizer sobre isso?
L.R.M – Cada lei tem seu próprio foco de atuação e um
bem jurídico a ser tutelado. No caso do agente estatal, a sua punição por
qualquer ato lesivo ao patrimônio ou interesse público já estava e continua
prevista no Código Penal, nas leis que se aplicam aos servidores públicos e na
lei de improbidade administrativa e de licitações. Ou seja, já existem meios
jurídicos para punir funcionários públicos que praticam a corrupção. Faltavam
meios eficazes para responsabilizar e punir a corrupção praticada por pessoas
jurídicas. Antes da vigência da nova lei, não era possível com base no ordenamento jurídico
brasileiro punir efetivamente as empresas envolvidas em práticas de corrupção.
E foi justamente esta lacuna que a nova lei veio suprir.
BN – A Lei se aplica de uma
padaria até uma multinacional. Por quê? Isso é positivo?
L.R.M – A corrupção é um câncer social que está
presente no dia a dia da sociedade. A Lei 12.846/2013, embora possa ser
aplicada sem distinção para empresas de pequeno, médio e grande porte – antes
de tudo – foi desenhada para responsabilizar e punir as empresas que fazem uso
de um modelo de negócio pernicioso, calcado em corrupção e fraude em detrimento
da administração pública, isto é, dos entes responsáveis por administrar o bem
comum.
Pela experiência verificada em outros países, leis com
a mesma envergadura têm como alvo grandes empresas envolvidas em grandes escândalos
e, ao que parece, o mesmo deve acontecer por aqui. No entanto, não faria
sentido estabelecer um parâmetro de alcance da lei com base no tamanho da
empresa. Quando o assunto é integridade, não se pode falar em flexibilização do
conceito.
O que a lei traz – e isto é muito positivo – é a
possibilidade de aplicação de condicionantes para as sanções de acordo com a
gravidade da infração, a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, o grau
de lesão ou perigo de lesão, o efeito negativo produzido pela infração e a
situação econômica do infrator.
BN – Em que país e por que foi
criada a primeira Lei Anticorrupção?
L.R.M – O crime de corrupção sempre esteve presente em
praticamente todas as legislações penais ao redor do mundo, porém apenas indivíduos
respondiam pelo crime. A grande novidade deste tipo de legislação se dá pela
responsabilidade da pessoa jurídica envolvida no ato de corrupção. E quando se
fala na primeira lei a responsabilizar a empresa por atos de corrupção, identificamos
a Lei Norte-americana de Práticas Corruptas no Estrangeiro, conhecida como
FCPA, criada em 1977 nos EUA, após escândalos em torno da renúncia do
ex-presidente Nixon em 1974 e do envolvimento de uma empresa americana em
pagamentos de suborno para autoridades públicas no Japão em 1976.
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