Frases

"Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens".
Fernando Pessoa

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os últimos dias...

Volta para a fronteira com o Chile. Nesta época a pastagem é recolhida
 para o inverno

Um sapato de Hummer

Dia 10

O mico da viagem ficou por minha conta. Quando chegamos a Trevelin, no domingo à noite para pegar a mala e trocar as roupas empoeiradas por limpas, me dei conta que havia deixado em Futaleufu o cômodo e amado sapato preto de todas as viagens. Nossa primeira reação foi mandar um e-mail para El Barranco e saber se estava lá, prontamente o proprietário retornou dizendo que o sapatinho, que não era de cristal, tinha ficado embaixo da cama. Ao mesmo tempo, Pablo ligou para Juan Pablo e eles combinaram de se encontrar na fronteira entre o Chile e a Argentina.  Muita poeira e curvas me separavam do sapato e até pensei em fazer com que Juan Pablo mandasse para Floripa, mas ele foi contundente: vai sair uns dois ou três pares de sapato. “Te llevo hasta la frontera, sin problemas”.
Lá fomos nós de novo para o Chile numa manhã de segunda-feira muito fresca e com algumas nuvens. Em 35 minutos chegamos ao posto argentino, onde Juan Pablo, com os sapatos na mão, nos esperava na frente de seu Hummer preto. Como ele é bem conhecido na fronteira, nem precisou fazer papelada e nós nem passamos para o outro lado. Nos despedimos mais uma vez depois de uns 10 minutos de boa conversa. Eu que gosto tanto deste carro ainda não tive a oportunidade de viajar num deles, mas meus sapatos “negros” sim.
De volta a Trevelin, já quase às 15 horas, o desafio foi encontrar um lugar para almoçar e seguir viagem até El Bolsón, onde tínhamos combinado um cordeiro patagônio com Fernando. Foi neste dia que comecei a trabalhar, atendendo a solicitação de colegas da Rede Globo e de jornais do centro do país. No primeiro lugar onde li a palavra mágica wi-fi parei para resolver os assuntos de trabalho. Realmente, esta tecnologia é muito boa. Depois passamos por Esquel para pegar a ruta 40, que liga as duas cidades e por onde ainda não tínhamos passado.
                Visual da Ruta 40 entre Esquel e El Bolsón

Diferente das outras estradas, esta é de asfalto e está em bom estado, apenas com muitas curvas e uma paisagem bem diferente do que até então tínhamos visto. Nuvens se espalhavam no céu azul. Fiquei impressionada também com a quantidade de bosques de Pinus - de propriedade do italiano Benetton, dono da rede de lojas com o mesmo nome -  perto de Epuyén, e da distância, de mais de 100 km de Estrada de terra, até Pedra Parada, nome dado ao vinho feito em El Hoyo.
Ao chegar a El Bolson outra surpresa: a cidade fervia. Um montão de gente na rua, muitos carros e trânsito complicado. Fomos direto à casa de Claudio, que não tinha mais cabanas. Dali passamos pelo centro e procuramos um hotel, tudo cheio. Quando a gente se dirigia para o tal cordeiro passamos por um hotel chamado Hielo Azul e lá sim, por sorte, tinha lugar.
Assim como em outros dias em que ficamos em El Bolson, ocorreu apagão das 22h às 23h30. A Argentina está com sérios problemas de energia por falta de investimentos. Tomamos banho a luz de vela e fomos bem felizes com “millones” de estrelas nos traçando o caminho até a parrillada.
Que noite agradável. Além do Fernando, estavam lá quatro pessoas. Marta, deputada radical pela província de Chubut, com seu companheiro, e mais um casal - o bom papo Ezequiel e a namorada, que acredito ser a filha de Marta. A noite foi pequena para o diversificado e animado papo. Rolou de política à música, passando por cinema, minas de urânio, banco Patagônia, Comodoro Rivadávia, vinhos e El Calafate. Ah! Eles querem saber tudo sobre a Dilma e não escondem sua admiração por Lula. Caso fizessem uma pesquisa por aqui, Lula teria muito mais do que os 80% de aprovação dos brasileiros. A situação  para a permanência da presidente Cristina é difícil e a oposição, ou seja, o Partido Radical, já apresentou três candidatos. 2011 é ano de eleição aqui, portanto, tudo pode ocorrer.
Caímos duros na cama e a noite foi curta.



Artesanato e música

As cores e formas de El Bolsón
Dia 11

Na Feira, saboreando cerejas e já com
 o sapatinho
Deixamos o hotel às 11 horas e resolvemos curtir a Feira de Artesanato, que estava muito maior, fazendo a volta em toda a praça. Lá encontramos o Lucas Chiape e o Juan Merlo - organizador do Festival de Jazz de El Bolsón. Outro bom papo, agora só de muita música e bons projetos. Para encerrar a tarde, passada na rádio comunitária, onde às 23horas se apresentava um dos cantores do grupo Patagontchê. Pegamos o início da passagem de som e algumas músicas no pen drive, pois o grupo está com os dois discos esgotados.

A vontade era não sair de lá, mas ficar seria muito arriscado para chegar a Bariloche na outra manhã e entregar o carro e pegar o avião.  Chegamos a Bariloche quase às 22horas e a cabana de frente para o Nahuel estava reservada. Depositamos nossas malas e fomos para o centro comprar lembranças para a família e comer. Muitas lojas ficam abertas até a meia noite, o que realmente faz de Bariloche uma cidade turística e capitalista.  
Na rádio comunitária conferindo Patagontchê
De volta à cabana arrumamos as malas tomando vinho e admirando a lua que estava espelhada no Lago. Uma despedida e tanto dos maravilhosos dias por estas bandas de acá.




A volta...







Dia 12
Manhã gelada com muito vento. Às 9h em ponto estávamos com tudo pronto, depois de deixar queimar as últimas “medias lunas” e devorar as últimas cerejas.

La Cebra,  Bariloche
 Entregamos o carro e Pablo nos levou até o aeroporto, onde o vôo atrasou 20 minutos. Nada grave para quem está em férias e em ritmo lento. Em Buenos Aires muito calor e a espera de 2 horas para pegar o outro vôo até Porto Alegre, que foi tranquilo. Neste espaço de tempo a aquisição de revistas semanais de economia e política e um café.
Em solo gaúcho fomos acolhidos pela sempre querida Verinha Vergo. Para não perder o costume fomos ao Bar do Beto, na Sarmento, ao lado do apartamento do meu irmão. Na mesa, além da Polar e do carreteiro, boas risadas, muitas histórias e o carinho de sempre.


Na Real...

Dia 13

Café da manhã misturado com e-mails e televisão ligada com os desastres na Serra do Rio. Logo caí na real e vi que apenas algumas horas me separavam do dia-a-dia em Floripa. Viagem tranquila, seis horas, com bons trechos duplicados na 101, calor e a curtição dos novos discos - Otros Aires, Ultratango Astornautas e Santullo.
 Perto de Paulo Lopes um acidente que deixou o trânsito bem lento e, logo depois, uma chuvarada de boas vindas. Ao fazer a curva do Morro das Pedras senti aquele cheiro de mar e a certeza que ancorava na Ilha que elegemos há 20 anos para viver.
Ancorando!
Agora é mãos à obra com bons trabalhos, como a inauguração do projeto de usina de energia com ondas do mar, no Nordeste; lançamento de álbum; reedição do livro sobre 1961, com a editora Saraiva. 2011 vai ser muito mais do que 10!!!!

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fronteira Argentina/Chile: A Patagônia Verde!




Ventisquero antes do Lago Yelcho e Puerto Piedra, ambos no Chile.


A boa carne da Patagônia Verde

QUASE TRÊS DIAS desconectados por total falta de internet no Chile. Só em Futaleufu que conseguimos wi-fi. Dia 9, a estrada nos aguarda, desta vez pegamos a ruta 40 no retorn
o a El Bolson.


Dia 6, Los Reyes
Fomos ao criatório de trutas do Governo, no Molino e fizemos a trilha das cachoeiras, com direito a piquenique com suco de pomelo e empanadas de carne e de choclo. Tudo estrada de rípio, em bom estado, pelo interior de Trevelin, cidade fundada por galeses.
Era dia de Reyes e também dia da morte de meu pai há 12 anos. Boas lembranças e muita reflexão, pois aqui nesta região ele adoraria ter vindo, muita pesca, inúmeros lagos e, claro, gado Hereford, ovelhas e cavalos crioulos.
No final da tarde, que aqui é das 21h às 22h, banho na piscina em La Estancia, num papo descontraído com a Paula e a Sofia (dona das cabanas) acompanhado de mate e muita risada. Paula, por exemplo, mora em Trevelin, mas trabalha no Banco Patagônia (onde 51% do capital é do Banco do Brasil) de Esquel, distante 20 km e sem trânsito.
Ao escurecer fomos surpreendidos pela Lua Nova caindo nos picos nevados, ficamos os dois admirando até ela se esconder e as estrelas tomarem contam do céu.

Fomos depois jantar na parrilla El Oregón, do simpático Jose Luiz, que leva grupos de pessoas para pescar trutas no verão e faz travessias de 4x4 na neve no inverno, o que deixou o Pablo louco para voltar. Além de boa carne, uma trilha sonora maravilhosa, com o músico Luis Salinas.
Para o outro dia, o roteiro estava pronto: rafting no Rio Corcovado e passagem para o Chile, por dois dias.


Dia 7

A dica era sair da Argentina por Carrelefu/Palena (Chile) e voltar por Futaleufu. Atravessar as estâncias patagônicas repletas de éguas crioulas, gado Hereford e paisagens coloridas foi de tirar o fôlego. Nem a poeira da Estrada ofuscou tanta beleza. Em Lago Rosario, por exemplo, uma das primeiras comunidades Mapuches a explorar o artesanato e, no meio do campo, uma homenagem aos índios.


Ao chegar em Carrelefu uma surpresa: chegamos atrasados ao rafting devido as várias paradas para fotografar. Mas mesmo assim curtimos o rio e vimos como seria emocionante andar entre aqueles paredões.
Sem problemas no passo de fronteira, mas ali deixamos as frutas antes de ingressar no Chile. O limão e duas maçãs deixamos, mas o pêssego comi na hora. Em Palena, no Chile, a casa de turismo nos ofereceu tudo o que precisávamos e resolvemos seguir caminho até Santa Luzia, onde nos indicaram um bom hostal. Em Puerto Ramirez paramos para mais informações e um casal nos informou de uma outra pousada mais perto. Estávamos cansados e empoeirados, nenhum quilômetro de asfalto neste dia.
Quando chegamos em Puerto Piedra ficamos um pouco assustados com o aparência externa do hostal. De dentro da casa surgiu o proprietário, que ao ler nosso pensamento disse: “o que tem lá dentro não tem nada a ver com o que vocês estão vendo. Entrem!!!”. E realmente, ele estava coberto de razão. Muito lindo, limpo e agradável, sem falar nas pessoas que encontramos lá: um casal de argentinos com reserva por 15 dias para pescar e três professoras argentinas que percorriam a região a pé ou de carona e com pesadas mochilas.

Jorge Fly e Pia são ótimos anfitriões. Como o casal tinha reservado, eles serviram a janta para eles. Mas Jorge nos ofereceu o jantar sem pagar, com a condição de que a gente cozinhasse e lavasse toda a louça. Prontamente aceitamos e nos dividimos. Pablito no fogão, Julia e Rocío cortando os temperos e Duda e Malena na louça. Muio divertido tudo, além do papo que rolou sobre pedagogia. As meninas são fãs de Paulo Freire e fazem voluntariado com alfabetização de adultos com um método cubano.
Na hora da janta vinho, sucos e uma massa preparada no fogão a lenha, que nos aqueceu, pois lá fora a temperatura era de 8 graus. Até tentamos chegar à beira do rio, mas o frio era intenso e resolvemos “charlar” na beira do fogão.

Dia 8
Levantei cedinho para fazer o mate, ver os picos nevados e caminhar na beira do Rio, com água inacreditavelmente muito verde. Las “gurisas” argentinas já tinham partido lá pelas 6 horas, pois iam em direção ao Sul do Chile. Pablito, Pia, Jorge e o outro casal dormiam. Ficar em silêncio é uma maravilha e não pensar em nada é uma dádiva!!!! Assim me senti por algumas horas em Puerto Piedra.

Todos foram acordando em seus ritmos para tomar o café. Conversa descontraída e a decisão de que iríamos até Chaitén para ver o desastre deixado pelo vulcão. No caminho paisagens antes nunca vistas, como o Ventisquero (glaciar na terra) e o Lago Yelcho, queremos voltar lá para ficar uns dois dias. Depois, as termas El Amarillo dentro do Parque Nacional El Pumalin, dica de Jorge Fly, que pediu também para levarmos um abraço e um recado para seu amigo que vive dentro do parque numa casa com Bed & Breakfast, muito utilizado por turistas europeus.

Depois de um bom papo regado a café solúvel e bolachas, o mergulho nas termas, com água saindo da vertente a 56 graus. Uma outra torneira de água fria entrava na piscine para a água ficar quase em 40 graus. Logo depois, mais estrada, agora de asfalto até El Chaitén. Quando chegamos o impacto foi grande. A cidade é fantasma e tudo o já tinha lido e visto até então sobre a erupção do vulcão não chegava nem perto da realidade. Depoimento do gerente do posto de gasolina nos impressionou, principalmente, porque ele disse que ali era o melhor lugar para viver.

Antes do vulcão cuspir cinzas viviam ali quase 10 mil pessoas – era a maior cidade da região. Hoje, não passam de 500. Assim que o vulcão deu início a erupção, as autoridades evacuaram a cidade, o que evitou uma tragédia com mortes. A população se refugiou nas cidades próximas, como Futaleufu (que ficou com 20cm de cinzas nas ruas) e Castro (na Ilha Chiloé). Até o ano passado, o governo fornecia um tipo de mesada para os atingidos, cerca de mil dólares por família atingida.
Depois de muita insistência junto às autoridades, alguns moradores estão conseguindo voltar à cidade, que na semana passada recebeu água potável, e até agora possui luz somente graças a geradores a gasolina. A limpeza das cinzas prossegue até hoje, sendo feita, na maioria das vezes, pelos própios moradores. A sensação é estranha ao ver o Pacífico sendo engolido por uns 2km ou mais de cinzas e casas ainda soterradas.
Fiquei minutos e minutos contemplando. Não conseguia tirar os olhos do vulcão, que solta uma fumaça estranha e está em alerta amarelo. Há três meses chegou a estar em alerta “rojo”. Pablo chamou minha atenção de casas com cinza quase até o telhado e outras totalmente enterradas pelas cinzas que baixaram pelo rio. Fiz um filme com o celular, que devo postar assim que chegar em Floripa.
Quase seis horas da tarde e resolvemos seguir caminho, agora em direção a fronteira. Tínhamos como opção ficar novamente no hostal de Jorge ou tentar a sorte em Futaleufu. Na Estrada para a fronteira mais paisagens deslumbrantes, agora com os rios Grande e Futaleufu, considerados a meca do rafting no mundo.
Sem um peso chileno no bolso (deixamos em Chaitén o que tínhamos para colocar gasolina), encontramos o paradisíaco El Barranco Lodge, com cartões, restaurante, piscina, sauna, bicicletas etc e tal. Bem mais caro do que vínhamos pagando até então, mas um dia de rei e rainha até que é bom, ainda mais para descansar, pois tínhamos mais kms de estrada de terra pela frente. Ficamos no El Barranco e ali jantamos uma truta no vapor (Pablito) e eu, para lembrar dos velhos tempos de infância, uma lebre a caçarola, claro que tudo acompanhado com um Carmenere nacional.

Dia 9
Em El Barranco tudo é possível, até porque a diária é diária mesmo, pois se você chegar às 20horas tem direito a ficar até as 20 horas do outro dia. Com isso, aproveitamos para ficar por lá descansando e curtindo o verde e o bom gosto de cada detalhe a nossa volta. Acordamos lá pelas 10horas e fomos direto para o café da manhã, depois fui para o computador baixar as fotos e responder alguns e-mails. Voltamos a dormir!!!
Estava muito quente e resolvemos ficar na piscina, já que estávamos só nós, pois os outros hóspedes foram fazer rafting no Rio Grande. Recarreguei as baterias no sol sem fazer nada, depois nadei, fiquei com caimbra e, na sombra, voltei a me conectar. Outros mergulhos e um banho para pegar a estrada.
Nos despedimos dos proprietários Juan Pablo e Soledad e fomos dar uma volta na pequena e simpática cidade até as 20h30, pois aqui a fronteira fecha às 21 horas.
Na praça uma boa sacada: um gerador eólico e solar carrega o mapa turístico da cidade, que indica os pontos e a distância, bem como lugares para ficar. Isso, acredito eu, bem que poderia ser copiada pelas autoridades de Florianópolis e colocados em vários pontos da cidade. Mas até acho que estou sonhando alto demais!!!
Passagem tranquila pela fronteira, sem revistas, pois o movimento era intenso de ambos os lados. Voltamos para La Estancia, em Trevelin, onde deixamos a mala e os vinhos. Antes de dormir, uma parrilla e a troca de músicas com Jorge Luiz.